Esse ano eu demorei e muito pra começar a fazer a retrospectiva, talvez porque tinha cada vez mais a sensação de que não teria tempo pra fazer tudo que queria e devia até o dia 31. Escrevo aqui do auge da tarde extremamente quente do dia 28. Foi um ano estranho e novo e cheio de mudanças e de apreensões. Eu me lembro da ansiedade e do medo que eu tinha em janeiro de ter falhado em relação a entrar numa faculdade e da felicidade ao saber que consegui entrar em quatro. Lembro da empolgação e do medo de ter ido morar sozinha, da saudade, da preocupação com a distância me afastar daqueles que eu gosto. De me mudar de casa mais de uma vez, de aprender a pegar ônibus sozinha e a me virar na faculdade, dos trabalhos, das provas, da greve. De voltar pra casa e sentir como se não reconhecesse mais os meus próprios amigos e achar que eu estava diferente de mais, de ter alguém com quem eu gostasse realmente de conversar e me sentir tão madura por isso é ainda assim tão infantil. Todas as brigas, as roupas, os momentos, as risadas, todo o tédio e o medo de cancelarem o semestre e a decepção também por que não, ah, eu me lembro. Das amizades que eu fiz e de todos os momentos rindo ou andando pela uesc só pra não assistir a aula. O festival de inverno e as idas a praia. As férias em outubro sem wifi, o segundo semestre meio whaaat. Os crushes , o curso de inglês, a mudança, ter que tomar decisões importantes sozinha. Te digo que foi um ano louco, bem louco. Cheio de tudo e de nada. Faltam 4 dias para acabar o ano e eu me sinto angustiada em relação a um monte de coisas, da faculdade as amizades, a se estou aproveitando minha vida e se estou tomando as decisões certas. 2015 teve tanta tragédia, tanta coisa ruim acontecendo e eu gosto de me esconder no meu mundo faz de conta, mas sinto medo realmente. Como se tudo fosse mais tranquilo ou melhor alguns anos atrás. Mas o mundo muda e a gente também, peço a Deus ombros mais fortes, por mais um ano e peço coragem também. Não fiz carta nem pedido pra papai Noel esse ano, em virtude do tempo, da criatividade de tudo, mas lembro e apelo a esse bom velhinho que 2016 desperte o melhor em nós, que a humanidade antes de tudo aprenda a ser humana, e que eu deixe de soar tão clichê.
Após um prólogo que relata a conversa entre um homem e um menino que lhe ensina como fazer um avião de papel, o leitor se depara com o primeiro movimento, começando da forma mais banal de transformar o absurdo em algo comum: “Lá estava um homem que, entre o prato principal e a sobremesa de um jantar, subiu as escadas e se trancou num dos quartos da casa das pessoas que estavam dando o jantar”. Logo depois, acompanha-se a história de Anna Hardie, uma escocesa que na adolescência conheceu o tal homem que se trancou no quarto. Ela é chamada pela dona da casa para tentar falar com Miles (este é o nome do homem), tentando de alguma forma colaborar para que ele saia. Anna ainda conhecerá uma menina chamada Brooke, filha de um casal que trabalha na universidade e que estava presente no jantar em que Miles se meteu no quarto, com quem a escocesa travará alguns diálogos interessantes.
O segundo movimento segue a vida de Mark, um homem já velho que perdeu a mãe há quarenta e sete anos. Mais do que isso, foi ele quem convidou Miles para ir ao jantar. Ao se conhecerem, uma semana antes, após uma troca de comentários sobre a peça O conto de inverno, além de uma conversa um tanto estranha sobre a importância do “mas”, Mark acabou convidando Miles para ir ao “evento”. O tal jantar funciona como uma “celebração anual”, em que a Sra. Lee convida pessoas alternativas, que nunca convidaria numa situação comum. Uma forma de quebrar a rotina.
Um dos mais impressionantes, o terceiro movimento acompanha o pensamento e as lembranças nada lineares de May Young. Internada numa espécie de asilo/casa de saúde, a mulher desperta e começa a estranhar aquelas mãos velhas e enrugadas à sua frente, as quais depois constatará ser suas próprias mãos. Também faz uma série de questionamentos sobre a menina que está sentada como acompanhante, não consegue se lembrar quem é ela. Através do fluxo de consciência, o leitor acompanha os pensamentos e lembranças de May. E a forma como este movimento se conecta às demais histórias é um dos pontos mais tocantes do livro. Todos os anos, Miles a visitava no dia do seu aniversário. Neste ano, como está trancado no quarto da Sra. Lee, enviou um pedido para as pessoas que se acampam em frente à casa – esperando por Miles como se ele fosse um profeta – para que localizassem May Young e lhe fizessem companhia.
O quarto movimento é o último ato de uma peça que prende a atenção, pois além de ser um livro sobre Miles, o homem que se tranca no quarto da casa de um estranho, é também sobre a menina Brooke – que não aparece apenas no terceiro movimento. Neste quarto, o leitor segue Brooke em sua trajetória de observar a casa da Sra. Lee, tendo sido uma das que estava também no jantar em que tudo aconteceu. Filha de dois professores, a menina surpreende com sua criatividade. Mas a forma com que a escritora usa a personagem é a de registrar o mundo a partir deste olhar agudo, porém infantil, passando por temas como a história da Inglaterra, o caso de Miles e até uma discussão entre os pais.