quarta-feira, 25 de julho de 2012

Olhou pro relógio na parede,sentiu uma súbita vontade de abrir as janelas a sala tinha cheiro de mofo.Encostar no parapeito fumando unzinho e tragando o uísque barato do bar a esquina,menos de cinco minutos para próxima paciente mal havia descansado desde o último,um garoto magricelo que tinha vontade de se suicidar. De costas pra porta quando ela entrou remexia numa caixa de papéis amassados guardava tanta bobagem,pigarreou o que fez ele se voltar para sua poltrona de couro macio já tão desgastada pelos anos de uso.Sentou e esperou que começasse a falar,olhou a ficha nas mãos:primeira vez no consultório,sorriu de modo a parecer amigável.
-Acredito que deva estar nervosa...
-Oh não.Já tive em muitos desses consultórios antes,eles-vocês quero dizer- sentam e esperam que comecemos a falar do que nos aflige.
Sorriu novamente dessa vez mais relaxado,melhor lidar com uma assídua em consultório do que com os inexperientes nervosos.
-A senhora então pode começar a falar quando quiser já que sabe como funciona.
-Senhora não,coisa de velha.To nova,muito nova pra ser senhora mas não tão nova pra ser senhorita.Pode me chamar de Alice. -fez uma pausa com um sonoro suspiro,olhou para fora,a janela ainda fechada. - Meu problema é que nada me aflige.
-Então deve ser a senhora,me desculpe,você muito feliz.
-Que tolice pra se dizer.Sou feliz sim mas na medida,do possível, do impossível.Vê se presta atenção de verdade no que eu digo,não sou mais uma dessas malucas viciada em fazer analise é só que eu queria saber porque que ninguém pode fazer analise sem ter algo que o aflige.
-Alice,as pessoas  geralmente fazem analise para se desafligir-perguntou-se se a palavra realmente existia tão estranha que soara
-Então é isso sou uma anormal.É que veja você eu sempre achei que fazer analise fosse pra desabafar,ter alguém te ouvindo mesmo que recebesse pra isso.Pode-se dizer que eu até seja feliz,não passo os dias buscando a felicidade mas também não quero respostas para todos os problemas do mundo.Eu vivo,sabe? - inspirou profundamente com aquele mesmo olhar perdido na janela fechada, ele reparou em quão intenso os olhos dela eram - Uísque.Posso me servir?Quero abrir a janela também posso? Tudo fechado dá uma sensação de claustrofobia.
Ele ficou parado olhando enquanto Alice se servia de seu uísque barato,abria a janela e encostava no mesmo parapeito onde estivera antes dela chegar.
-Minha mãe me acha meio maluca sabe.Ela diz "essa menina não tem jeito,gasta o dinheiro todo em analise e fica por ai falando sobre achar a felicidade,o verdadeiro amor" - riu e a risada dela tinha um som prazeroso -Eu ando meio perdida as vezes mesmo, procurando um grande amor na fila do banco,numa danceteria lotada,eu sei,eu sei amor verdadeiro aparece quando se menos espera.Vai ver é por isso que faço analise,sou muito ansiosa.Viu você me ajudou? E sem dizer nada coitado,quão chato deve ser passar o dia ouvindo monólogos principalmente de pessoas como eu.Deus me livre ser psicologa acho que explodiria.
Ela colocou o copo já vazio em cima da mesa e voltou pra sua cadeira parecia contente  de ter achado motivo para suas analises. 
-Responda: qual seu nome?o que te aflige?
-Continue a falar sobre você.
-Não,não.Eu como pagante escolho sobre o que falamos.Agora responda.
-Arthur.Me aflige a claustrofobia das tardes nessa sala,o cheiro de mofo,a amargura de alguns pacientes.
-Diga seu signo.Acho que nós combinamos vê?Todos dois cansados da amargura da vida e das pessoas.
-Acho que Libra.Que importa?
-Muito.Combinamos vê?Eu de escorpião,você de libra,eu doida,você são.Marcamos um jantar que tal?
-Você é minha paciente.
-Não seja por isso lhe pago e saio de fininho ninguém me reconhece mesmo, uma doida entre tantas.Nunca mais apareço no consultório.
-E tuas sessões,Alice?Agora que começaste a descobrir teu problema de ansiedade.
-Acreditaste nisso?Bobinho,não vê que sou só eu sendo um pouco mais eu pra confundir todo mundo dando um nó tão grande que nem sei se consigo desamarra-lo.- parou séria examinando-o com aqueles olhos intensos investigando cada poro de seu rosto. - Tu tens uns olhos bonitos.
-Os teus são mais.- disse ele sem nem ao menos pensar,ela riu aquela risada de quem conquista e procurou um papel na bolsa
-Aqui me liga um dia desses,quem sabe eu tenha melhorado e me queiras como acompanhante.Quem sabes tenhamos mais a combinar que apenas o signo,uísque barato e ficar lendo Freud nas horas vagas.
-Ligo sim.
-Fica bem nesses teus dias amargurados.
Ela disse e saiu pela porta andando naquele rebolando sedutor e ele disse baixinho:
-Eu fico,vou ficando.
Nunca mais encontrou Alice.O papel com o telefone ficou guardado dentro de um livro de Freud com mais uma reportagem do lançamento de um livro,A espera do amor verdadeiro de Alice Lima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário